A sete palmos de terra

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A cerimônia foi breve e, aos poucos, os homens e mulheres de luto saíram chorosos do cemitério da vila formosa. Alguns relembravam as peripécias do recém-falecido contando historias nostálgicas com a voz embargada e os olhos marejados de uma dor genuína. O sermão do pastor não havia apaziguado o coração da maioria deles, mesmo com a oratória emocionada do jesuíta. No entanto os aparentados e amigos do morto acreditavam que o homem estava agora em um lugar melhor. Longe da dor e sofrimento da vida mundana.

            Não podiam estar mais enganados.


          Gilmar acordou assustado pela escuridão que o rodeava. Tentou levantar-se, mas sentiu sua testa se chocar com o carvalho duro do caixão mortuário. Uma sensação mista de medo e incompreensão assaltou-o de súbito levando-o a um acesso de pânico. Tentou socar a porta de madeira, mas não tinha impulso para aplicar força no punho. Mas que diabo esta acontecendo aqui afinal, pensou ele, possesso pela raiva.

            O que estava acontecendo?

       Privado da visão concentrou-se em seus outros quatro sentidos. Sentia um cheiro estranho. Algo que lhe lembrava do sitio de seu pai onde por inúmeras vezes fora espancado com a palmatoria de madeira. Seria terra? Os ouvidos não lhe ajudavam muito. Nenhum som peculiar, mas podia sentir um assobio que associou a pressão do ar comprimido na caixa em que estava. A caixa, pensou, tinha um formato peculiar. Seria um retângulo? Não. Tateou o que parecia um desnível a seu lado esquerdo. O formato da caixa era semelhante a um losango... Não... Um caixão.

             Deus.

         Sentiu um calafrio descer por sua coluna cervical. Os pelos abundantes no braço se eriçaram diante da perspectiva sombria. Fui enterrado vivo. OhmeubomDeusnaonaonaonaonaonaonao. Fui enterrado vivo!

          Agora não havia mais racionalidade. Começou a golpear repetidas vezes a porta do caixão. Seus punhos se rasgaram lentamente impacto após impacto. Mas a porta não cedia. E não iria ceder. Acima dele havia sete palmos de terra. Mais de duzentos quilos de peso sobre a porta da urna. Uma armadilha maligna feita para que aceitasse seu fim.

          Entretanto Gilmar não estava disposto a aceitar algo tão horrível. Flexionou a coxa e golpeou a porta com os joelhos. Não houve sequer um tremor que lhe trouxesse esperança. Golpeou ate ficar exausto. O ar agora estava rarefeito. Seus pulmões lutavam para manter o sangue oxigenado, mas aquela parecia uma batalha perdida. PORRA.

 A exaustão tomou conta de seus músculos gradativamente. Parou de estocar a madeira e começou a soluçar. Resfolegante, deu o ultimo suspiro quando seu coração cansado explodiu dentro do peito.

Fulminante, o infarto que dera cabo de sua vida deixara estampado em seu rosto feição de puro pavor e desespero. Um rosto que não seria contemplado por mais ninguém.

 O processo de decomposição removeria sua face putrefata substituindo pela figura pop do esqueleto humano. Uma ossada indistinguível de qualquer outra. O símbolo da precariedade de sua natureza.


por JORGE GUERRA





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